sexta-feira, 11 de março de 2011

Minha amiga da classe primária



     Bateu logo aquele susto que costumamos disfarçar com um sorriso de surpresa boa. E o susto é justamente o curto circuito de todas as poucas lembranças de um passado meio embaçado, misturadas com pensamentos do tipo: “o que eu devo falar? (...) ela teve uma menina ou um menino? (...) e tá loira, vou falar do cabelo”, até que vocês quase cruzam os passos e (explosão!):

- Menina! Tudo bom?
- Caramba! O que? Uns 7 anos?
- Por aí... Ta fazendo o que da vida?
- Tou trabalhando na Escola Viva e no Instituto de Psicologia, e tou me formando no final do ano também, tudo atribulado, uma correria só... E você? Magrinha como sempre ein...
- Poxa... Você cresceu ein, tá falando que nem gente grande mesmo... Eu ainda estou no meio do meu curso e só dei umas aulas de português em algumas escolas, mas por prazos curtos...
- Professora é? Só podia ser... E como tá todo mundo na tua casa? Tua mãe? Fazendo muita lasanha?
- Haha, é, tá todo mundo bem... Agora ela faz de frango também, ela andou aperfeiçoando... E com a tua família?
- Voltei a morar lá com Sophia, painho e mainha, em Lagoa Nova, naquela mesma casa... Passei um tempo morando só, mas a pensão e os meus salários não tavam dando conta de babá, creche e fraldas.
- Vixe... Difícil... E esse aí é teu namorado?
- Não, ex...
(...)
- Ei, Nena, vou sentar ali, estou varada de fome...
- Tá certo, mande lembrança pro pessoal lá e um beijo em Sophia.
- Ok, pra todo mundo de lá também, saudade de você, a gente podia combinar alguma coisa...
Aí você pensa: “ela vai continuar mesmo com isso? Ela vai pedir meu telefone?”
E aí ela vai revirando a bolsa, com aquela pressa, atuando um esforço descomunal e quando finalmente  consegue alcançar o celular, fala ao mesmo tempo em que o tira:
- Me diga aí seu telefone, que eu acho que não tenho mais...
- Ah, sim, anote: 87234545, me dê um toque aí que eu anoto o seu.
- ...
- Pronto.

     Sem contar que todo esse tempo você teve platéia. Enquanto você e a sua melhor amiga da primeira década de sua vida se entusiasmavam em não ter mais nenhuma intimidade e se esforçavam para continuar com aquele hipócrita interesse, seu amigo que ainda não foi levado pelo tempo ouvia e percebia tudo sentado próximo a você na mesa. Então quando ela sai, após um sorrisinho de tarefa comprida, você o olha meio que para dar uma satisfação e diz:
- Eu joguei Mario World com essa menina dos 7 aos 11 anos de idade... e sabe o que é pior?
- O que? (de boca cheia)
- Nunca zeramos.

Nota: Que tristeza é você desconhecer.